1.
O TEMPO ORDINAL
para Abul Qasim Hassan ibn Ahmad ´Unsuri
”Que caia em cinzas
o que deve tornar-se cinza”
Rabindranath Tagore
A flauta das ervas derrama sua alma extasiada
Nos cálices azuis claros das pálpebras semicerradas
Que resta ainda, meu Príncipe, do fausto perfume das glosas,
das cartas não escritas, das palavras não pronunciadas.
Rueil-Malmaison, 8 de junho de 2008
2.
PURPÚREOS SOLUÇOS
In memoriam James Oscco Anamaría
” Tu olhas a noite, meu Astro; porque não sou
o céu aos milhões de olhos para contemplar-te melhor”
Platon
Esta noite, meu irmão adorado,
Os soluços limitam o poder
para dizer-te do meu amor!
Faço dom da primavera dos meus olhos
À tua morte! Ofereço-te
O cetim do dia como lençol
E os suaves lábios do ano bissexto
Para cobrir com véu seus beijos
A inocência da tua face ensanguentada!
Tu e a imortalidade estão unidos agora
No anel de ouro que o tempo
Entrega ao dedo da solidão muda do teu povo!
Mãos cruas, pupilas cegas
Quem deixou desmoronar o corpo esmeralda da estrela
Ao lado selvagem da estrada
Em purpúrea ausência do Bom Samaritano!
Irmão, irmão do meu Verbo,
Não, eu não sei rezar pela tua alma!
De seus dedos abruptos,
A dor apagou as sílabas dos salmos
De todos os altares da minha memória!
E não conheço mais que
A seráfica gramática da Grande Caridade,
O alfabeto dos irrevogáveis Hinos do Amor,
A mística aritmética da Devoção
E o Culto antigo dos heróis!
Ó Mães, santas Mães do Peru,
Vinde,
Acender esta noite os círios de vossos corações,
Vertei
O bálsamo e a luz de vossa branca misericórdia
Sobre o rubi carmesim desta boca que tornou-se muda!
Esta boca que cantou com as chamas do seu sangue
A ode mais bela
À divina Liberdade!
E tu Senhor da Paz,
Vai adiante, ligeiro, invisível e terno
Em busca da harpa desse corpo de jasmim,
Aproxima-te, Senhor, e pousa Teus dedos irisados
Sobre as cordas abismais do coração
Do Poeta imortal
Teu Amigo, Teu Cantor,
Teu Companheiro,
Teu Louvador apaixonado!
Paris, 9 de maio de 2009
3.
TRÊS PEQUENAS VIOLETAS
para Priscila
”Perché piú bruci, per meglio sentire
questo tuo bacio che torce e scolora,
ogni mia fibra consuma al tuo fuoco,
ogni pensiero soggioga ed annulla,
ogni tuodolce, la pace e la gioia,
negami ancora.”
Sergio Solmi
I.
Não, não a toquem, amores,
É tão bonita adormecida em sua roupa branca!
Não magoem a luz de seu rosto,
Não dobrem o ramo de papoulas
Dos seus lábios suavemente entreabertos!
Ela dorme, amores,
Deixem-me, sim, deixem-me
Sentir sua respiração de violetas brancas
Sobre minha face em lágrimas
E admirar seu pequeno peito de criança
Que se levanta e recai com a doçura
De uma onda matinal de abraços
Pela brisa e pela aurora-
II.
Tão grande é a solidão, amores,
Tão quente a tristeza caída
Sobre a brancura da coberta
Que espera o sorriso
De um anjo!
III.
Não, não tenhas medo, meu amor,
Meu coração vela sobre teu sono
Precioso e frágil
Como xícara antiga
De porcelana da China.
Não, não tenhas medo
Ó minha campânula delicada
O que existe realmente carece de palavras.
IV.
Sou a memória e o corpo
Dum sonho milenário,
A chave de uma caixa de segredos
Que a impotente morte procura abrir!
V.
Teu luminoso rosto
que palpita sobre a neve do silêncio
É uma língua esplêndida
ele mesmo!
Paris, 4 de maio de 2008